Data Center de Caucaia tem previsão sobre consumo d’água, local de instalação e licença aprovada

Data Center de Caucaia tem previsão sobre consumo d’água, local de instalação e licença aprovada

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Um projeto ambicioso deve movimentar a economia do Ceará, nos próximos anos. Um novo data center – espécie de banco de dados gigante – em região pertencente ao Porto do Pecém localizada em Caucaia, na Grande Fortaleza, promete gerar milhares de empregos. Contudo, também provoca discussões sobre como será o funcionamento, local de instalação, uso de água para manter computadores sem parar e possíveis impactos ambientais do empreendimento.  

O Data Center Pecém é uma empreitada da Casa dos Ventos, destaque em projetos de energias renováveis e transição energética no país. Seu sócio-fundador é o cearense Mário Araripe, um dos homens mais ricos do Brasil.  

Apesar dos incentivos econômicos, a instalação de data centers mundo afora tem sido alvo de críticas de ativistas ambientais. Isso porque os supercomputadores precisam de um sistema de resfriamento que, em alguns casos, demanda grande quantidade de recursos hídricos.

A reportagem do Diário do Nordeste tentou, por meio dos envolvidos no processo, informações detalhadas sobre o local. Embora já tenha licença prévia autorizada, assim como manifestações públicas de autoridades favoráveis à empreitada, documentos oficiais que detalham os impactos do projeto não foram disponibilizados. 

A Casa dos Ventos afirma que realizou estudos para prever o consumo de água do Data Center. Essas estimativas fazem parte do projeto de engenharia do empreendimento conduzido entre outubro e novembro de 2024, nas comunidades de Pecém, Bolso, Cauípe e Matões – áreas pertencentes às cidades de Caucaia e São Gonçalo do Amarante.

Para prevenir grandes perdas, a empresa sublinha que o Data Center Pecém foi projetado com “foco na sustentabilidade”, adotando um sistema de água em circuito fechado para refrigeração. 

“Os aspectos primordiais desse projeto são a tecnologia inovadora e seu baixo consumo de água. O data center adotará sistemas de refrigeração em ciclo fechado, reduzindo significativamente a utilização hídrica em comparação a tecnologias tradicionais”, detalha.

Esse ciclo fechado garantiria um consumo de água de 30 m³ por dia (30 mil litros), volume equivalente à demanda média diária de 72 residências de Caucaia, que tem cerca de 160 mil residências. 

“O uso de água da primeira fase do projeto equivale a aproximadamente 0,045% da demanda residencial total da cidade”, registra a empresa. 

Em termos comparativos, o índice de cobertura de água de São Gonçalo do Amarante, cidade onde fica o Porto do Pecém, é de 97,71%, contemplando 17.141 imóveis. O dado é da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece).

Na observação de Francisco de Assis Filho, professor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Cientista-Chefe dos Recursos Hídricos do Ceará, o uso de 30 m³/dia é “muito pouco” quando comparado às demandas da indústria, irrigação e cidades do Ceará.

A título de exemplo, ele cita: representa menos de duas cisternas de 16 m³ por dia.

A demanda de água para consumo da população e das atividades econômicas de Fortaleza e Região Metropolitana, continua, fica em torno de 10 m³ (10 mil litros) por segundo. Assim, em apenas um dia, a área necessita de 864.000 m³ diários, ou 864 milhões de litros.

A Casa dos Ventos afirma que contou com consultoria especializada para avaliar os impactos do projeto. Destacou ainda que, como o Ceará ainda não dispunha de uma regulamentação específica para o licenciamento de data centers, “optou por ampliar os estudos e aprofundar a análise dos possíveis impactos ambientais”.

A empresa reforça que todos os documentos relacionados ao processo estão disponíveis mediante solicitação formal ao órgão ambiental e incluem informações sobre o consumo de água e energia. “Os responsáveis pelo projeto assumiram o compromisso de seguir os padrões de sustentabilidade do IFC [Corporação Financeira Internacional], que em diversos aspectos são mais rigorosos que a legislação local vigente”, garante.

Por que no Ceará?

Segundo a empresa, o projeto já obteve parecer favorável para acessar 300 MW (megawatts) para a primeira fase. Também foi aprovada habilitação nas Normas Brasileiras de Serviços pelo Conselho Nacional das Zonas de Processamento de Exportação (CZPE), vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). 

“A classificação é essencial para regulamentar e caracterizar legalmente a prestação de serviços de armazenagem, processamento e tráfego de dados com fins exclusivamente de exportação”, explica a Casa dos Ventos ao Diário do Nordeste.

A empresa ressalta que a escolha do Ceará não é por acaso. Entre as condições únicas para receber investimentos que devem ultrapassar R$50 bilhões, elenca: 

  • a presença da Zona de Processamento de Exportação (ZPE Ceará), distrito industrial incentivado e destinado a sediar empresas orientadas para o mercado externo; 
  • proximidade do Pecém com as estações de cabos submarinos em Fortaleza, que conectam o Brasil aos principais hubs globais; 
  • a “robusta” conexão com o Sistema Interligado Nacional (SIN), infraestrutura de grande porte para produção e transmissão de energia elétrica;
  • a oferta de energia renovável (solar e eólica) disponível no Nordeste.

A empresa estima gerar mais de 20 mil empregos diretos e indiretos, além de criar um novo polo de infraestrutura digital, que pode proporcionar desenvolvimento para a economia da região e do Ceará.

Como o projeto é viável “para execução em curto prazo”, tem planejamento definido para iniciar a construção no segundo semestre de 2025, e operação prevista para dois anos depois, no segundo semestre de 2027.

Licenciamento ambiental

Diário do Nordeste buscou diversos órgãos para entender qual deve ser o impacto do novo data center no consumo de água da região onde será instalado, bem como entender em que fase está o processo de autorização das obras.

A Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) informou que a construção está em fase de licenciamento ambiental. A Licença Prévia (LP) já foi emitida, e a Casa dos Ventos protocolou o pedido de Licença de Instalação (LI). Porém, o processo ainda está em análise, “pois foram identificadas algumas pendências”.

A licença acessada pela reportagem mostra que foi solicitado o uso de um terreno de 681.590 m² (68 hectares), em Caucaia, com área total a ser construída de 131.884,6 m², além de uma subestação com tensão de 230KV. A autorização para a construção dessa última foi solicitada em 30 de maio e está em análise.

Conforme a Semace, entre as exigências para a liberação e autorização da LI, estão o cumprimento das exigências estabelecidas na Licença Prévia, bem como a obtenção da permissão junto à Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh). 

“Há também a possibilidade de ser requisitado um estudo adicional, mas isso será avaliado no decorrer do processo da LI. Um levantamento mais detalhado da demanda associada ao empreendimento só poderá ser feito quando os projetos estiverem mais consolidados, o que deve ocorrer a partir do avanço da Licença de Instalação”, finaliza.

Por sua vez, a Cogerh declarou que “não recebeu nenhuma solicitação oficial para parecer técnico ou para emissão de outorga de direito de uso de água da empresa referida”.

Em nota, a ZPE Ceará, onde o empreendimento será instalado, alegou que, devido ao “sigilo industrial envolvido e seus acordos de confidencialidade”, opta por não se pronunciar, “ao menos neste momento”, acerca do tema. 

Segredo industrial é uma informação sob sigilo, de uso restrito, que dá oportunidade a uma empresa de obter vantagens sobre a concorrência.

Já o Ministério de Minas e Energia (MME) sugeriu buscar as informações solicitadas junto aos órgãos ambientais e de recursos hídricos. Quanto ao consumo de energia do empreendimento, recomendou buscar a própria empresa para ter acesso aos dados.

O que é e como funciona um data center?

Data centers são verdadeiros “prédios” de computadores de grande processamento, onde estão hospedados servidores de sites e redes sociais.

A explicação é de Eduardo Tude, mestre em telecomunicações e presidente da empresa de consultoria Teleco, em entrevista à Verdinha FM 92.5. 

“No data center, você tem um ambiente controlado, com temperatura controlada e ventilação, porque eles esquentam. Tem que ter energia ininterrupta e, em caso de falhas, baterias e geradores para continuar funcionando”, ressalta.

Caso contrário, o equipamento pode superaquecer. As três principais exigências para a instalação de um data center em determinada região, segundo ele, são:

  • energia elétrica
  • conexão com cabos submarinos que conectam fortaleza a Europa, à África e principalmente aos Estados Unidos
  • água para ser aplicada no resfriamento

Sobre o consumo específico de água, o especialista explica que depende dos estudos prévios para a instalação.

“Tem toda uma análise ambiental para ter as autorizações. Mas, depois de construído, ele não polui, não solta fumaça, não tem resíduos. Do ponto de vista ambiental, ele não é uma indústria poluidora”, explica.

Incentivo à Inteligência Artificial

A expansão de data centers pelo mundo tem como pano de fundo o maior uso da Inteligência Artificial (IA), que permite que as máquinas “aprendam” com experiências e é popular em trends em redes sociais, como a criação de vídeos e transformação de fotos em imagens no estilo Ghibli.

Para a Casa dos Ventos, o Ceará é um ambiente “promissor” para o desenvolvimento e aplicação de soluções de IA, “especialmente no contexto da ‘IA Verde’, que combina alta capacidade computacional com sustentabilidade”.

A empresa afirmou que está empenhada em transformar o Porto do Pecém em um complexo de inovação em tecnologia e transição energética. 

Diário do Nordeste questionou qual empresa deve ter os servidores hospedados no local. Em nota, a Casa dos Ventos indicou apenas que “tem analisado oportunidades de parceria com companhias que possam ser complementares” na viabilização do empreendimento.

Uma das empresas especuladas para isso, segundo informações da agência internacional de notícias Reuters, seria a ByteDance, chinesa proprietária da rede social TikTok. A reportagem perguntou se a empresa pretende manter servidores nessa área, mas não obteve retorno até esta publicação.

O que diz a lei brasileira?

O Brasil ainda não possui legislação clara sobre o tema. O Governo Federal prometeu lançar, em breve, a Política Nacional de Data Centers (Redata), voltada para a atração de data centers e inteligência artificial, mas não divulgou informações ambientais preliminares.

Uma de suas bases é o documento “Estratégia para Implementação de Política Pública para Atração de Data Centers”, um estudo diagnóstico feito pelo MDIC e pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), em 2023.

Entre as práticas recomendadas de sustentabilidade em data centers, o texto inclui “conservação da água e gestão” e “soluções de resfriamento sem usar água e com energia renovável”.

Na Câmara Federal, o projeto de lei nº 2080/2025, apresentado em maio deste ano, sugere a Política Nacional de Eficiência Energética e Sustentabilidade Socioambiental para Data Centers. De autoria da deputada Duda Salabert (MG), recomenda a operação dos aparelhos de forma “eficiente no uso de recursos energéticos e hídricos, minimizando seus impactos ambientais e maximizando seus benefícios sociais”.

A proposta pede o monitoramento mensal do Water Usage Effectiveness (WUE), indicador que mede a eficiência no uso da água e é calculado como a razão entre a quantidade de água (em m³) utilizada nos sistemas do data center e o consumo de energia (em kWh) dos equipamentos.

O tema já é tratado na norma técnica internacional ISO/IEC 30134‑9, publicada em março de 2022, que quantifica o uso de água de um data center durante sua operação.

Na prática, quanto menor o WUE, mais eficiente é o uso da água. Assim, data centers de excelência podem atingir valores próximos de 0 (número que significa que nenhuma água foi consumida).

No Brasil, o WUE para data centers ainda está em discussão na Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Atualmente, ele está na fase de “comissão”, segundo o plano de trabalho das normas em desenvolvimento pela instituição. 

Fonte: Diário do Nordeste | Foto: Reprodução

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