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| Adriano Pires e Pedro Rodrigues | A Medida Provisória nº 1.307 – publicada na sexta-feira e apelidada de “MP dos Data Centers” – objetiva modernizar o regime das Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs), ampliando o acesso a benefícios fiscais e regulatórios para empresas exportadoras, inclusive prestadoras de serviços.
Embora o objetivo seja nobre, especialmente diante da crescente digitalização da economia, a forma como a MP articula a política energética à política industrial é profundamente perturbadora, e evidencia uma desconexão com a realidade do setor elétrico brasileiro.
Um primeiro ponto crítico é a ausência do Ministério de Minas e Energia (MME) na formulação da medida.
A falta de assinatura do MME em uma iniciativa que impõe obrigações relacionadas ao suprimento energético revela descoordenação entre os ministérios envolvidos. A energia não pode ser tratada como um insumo qualquer em políticas industriais: ela está no centro da segurança, da competitividade e da sustentabilidade de qualquer empreendimento. Ignorar isso é encomendar novos problemas, em vez de resolver os antigos.Mas ainda mais preocupante é a imposição da chamada “regra de adicionalidade”, segundo a qual os data centers instalados em ZPEs só poderão consumir energia proveniente de fontes renováveis que ainda não estavam em operação na data de publicação da MP – uma medida que beneficia virtualmente apenas um player da região e que vai encarecer, atrasar ou inviabilizar diversos projetos de data center em curso no País.
A exigência embutida na MP remete a uma lógica utilizada na Europa — onde a matriz energética ainda depende fortemente de combustíveis fósseis — e visa garantir que novos investimentos em renováveis representem ganho ambiental real. No entanto, é surreal e contraproducente aplicar essa lógica ao Brasil, cuja matriz elétrica já é majoritariamente renovável, superando 85% de participação.
Adotar esse conceito no Brasil não só desconsidera nossas especificidades e potencialidades, como também contradiz recentes posicionamentos do próprio Congresso Nacional.
Durante a tramitação da Lei do Hidrogênio (Lei nº 14.948/2024), o Parlamento corretamente rejeitou propostas semelhantes. Naquela ocasião, prevaleceu uma definição ampla de hidrogênio renovável, que valoriza toda a capacidade de geração limpa do País — inclusive as hidrelétricas já existentes.
Além disso, a medida ignora o atual descompasso entre a expansão da oferta e a demanda efetiva de energia no Brasil. Vivemos uma situação de sobreoferta de geração intermitente, especialmente solar e eólica, concentrada no Nordeste e descentralizada por meio da minigeração distribuída.
Essa expansão tem ocorrido de forma descoordenada em relação à localização e ao perfil de consumo. A MP, ao atrelar novas cargas a usinas renováveis ainda não operacionais, perde a chance de aliviar o curtailment (o desperdício de energia por falta de escoamento ou demanda) e de aproveitar excedentes que já estão onerando o sistema.
Pior: ao exigir energia apenas de novas usinas renováveis, a MP cria, na prática, uma reserva de mercado para fontes intermitentes altamente subsidiadas, como eólica e solar.
Essas fontes recebem benefícios via descontos tarifários custeados pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Este ano, o orçamento da CDE já atingiu a máxima histórica de R$ 49 bilhões, dos quais mais de R$ 15 bilhões destinam-se exclusivamente às fontes incentivadas, principalmente acessadas por consumidores do mercado livre.
Essa política reforça distorções e penaliza os consumidores cativos, que arcam com uma parcela desproporcional desses custos e tarifas mais altas.
A situação torna-se ainda mais crítica ao se considerar o perfil de carga dos data centers, que a MP tenta atrair para o Nordeste. Os data centers exigem cargas contínuas, de alta criticidade – ou seja, fornecimento confiável 24 horas por dia. No entanto, a MP obriga a contratação de energia de fontes que, ao contrário, não garantem disponibilidade plena, como solar e eólica, ampliando os riscos de confiabilidade e deixando de usar as fontes flexíveis do sistema, como as hidrelétricas e o gás natural.
Ao invés de oferecer novas soluções, a MP dos Data Centers insiste nos subsídios e na reserva de mercado para a energia solar e eólica, quando poderia incentivar a instalação de data centers onde geograficamente se possa combinar o potencial renovável com uma fonte despachável de energia.
Esse é o caso da Região Norte, onde há grandes reservas de gás natural nos estados do Amazonas, Amapá e Pará – e até no Maranhão. E se a produção de petróleo e gás na Margem Equatorial acontecer mesmo, a abundância de energia nestes estados aumentará ainda mais.
Em vez de aproveitar a vantagem competitiva – que é a presença de gás em determinada região – a MP estimula mais um ciclo de expansão artificial de fontes subsidiadas e merece uma revisão profunda antes de sua eventual conversão em lei.
Adriano Pires é sócio-fundador do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE). Pedro Rodrigues é diretor da mesma instituição.
Fonte: Brazil Journal | Foto: Freepik
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